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OPINIÃO: Os olhos tristes de Maria

A Maria, com quem convivi quando moço feito, era uma flor ornamental da ordem das rosáceas. De pele amorenada e olhar oblíquo, e um cabelo que de tão preto parecia sumir no sombrio das casas. A última vez que a vi foi num bar, já em feitio de saudade, suponho, perto da praça central da nossa cidade. Ela jantava com um casal e, aparentemente, sorria, algo longe de ser natural para quem, como eu, a descobria por certos indícios. Após simular uma ida ao banheiro, perguntei-lhe pela filha, seu maior orgulho, que conheci bem pequenininha, esperta e ao mesmo tempo encabulada, como são as crianças embaladas pelas mãos de mães que criam os filhos praticamente sozinhas.

Eu soube, então, que aquela linda menina, sem qualquer comunicado aos passantes, tirou uma tarde para guardar as bonecas no baú das reminiscências e foi ser gente grande por aí. Ela hoje estava noutra, pondo-se a tratar como médica os que sentem dores que se avolumam quando passa o efeito do remédio. Em Maria me chamava atenção, antes dos detalhes e circunstâncias, a tristeza infinda dos seus olhos. Arredios e ressabiados igual aos bichos que moram entocados no denso das matarias. Não consigo entender por que alguém tinha olhos tão tristes assim, voltados em arritmia para o chão das ruas.

A resposta que me dava como consolo continha nuanças que variavam desde a educação reprimida até um amor que se quebrou fragmentado ante os portais de um sonho salino. Mas acho mesmo que foram as veredas do cotidiano, com suas dobras, com seu destino gingado, que deixaram Maria com os olhos tomados de melancolia e de matizados sofreres. Este mundo! Atormenta-me o fato de as coisas se transportarem no caudal dos ventos aleatórios, e de como se extinguem vidas que prometeram tanto e receberam tão pouco. A maturidade me fez arcar com a custódia dos meus dias e, seleto, despeço-me das criaturas que submergem na imbecilidade de suas arrogâncias. No meu território caminheiro, só tem espaço para as pessoas que seguem sendo feito Maria.

E para ela falo agora: "O nosso tempo transpõe e talvez não nos encontremos nele". Mas prometo: continuarei tentando decifrar os silêncios do teu olhar oblíquo, embora saiba de antemão não ser triste para sempre quem carrega, bem nas grimpas de um coração benigno, a sonoridade do cantar dos grilos a abrir o encortinado da madrugada. A lembrar, quem sabe, uma paixão febril que esteve bem perto de ser correspondida num resto de verão ameno.

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